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sexta-feira, março 31, 2006

Apago cigarro após cigarro,
a chávena ainda quente do café,
e o corpo todo à escuta.
No sono entrevi o teu olhar e
ao visitar-te, excessivamente te beijei.
Entre temor, entre comas, os lugares
que habito são apenas pontos
de esquecimento e fuga.

Tenho medo, por vezes, de estar em casa,
outras, de sair, não sei o que me persegue
ou persigo, movo-me apenas
por entre odores, escombros, e aflita
com perigos indefiníveis.


helga moreira

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com licença

eu brincar... até brinco, se ela não vier

quinta-feira, março 30, 2006

Claro que se tem medo que alguém nos entre pelos olhos.
Mas podes arder. Para a tua temperatura sou mercúrio,
linhas de mão, lábio e sopro. Atravesso-te porque me atravessas
e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da
devolução.

Tu e eu à porta de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
Aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda
a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a
medida exacta do meu desejo.

Sou um animal. Necessito diariamente da transfusão de uma
enorme quantidade de calor. Tocas-me?

Vasco Gato

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quarta-feira, março 29, 2006

com licença

ESTUPIDA!!!


para os incautos - o insulto (SIM, é um insulto!) tem link
Às vezes as crianças gritam sobre flores isoladas dentro delas, e então ficam com uma cor absorta encravada na garganta.
As crianças não falam quando estão dentro do silêncio.

Herberto Hélder


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terça-feira, março 28, 2006

Com licença

PARVA

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para os incautos - o insulto (SIM, é um insulto!) tem link
Take my hand, I'm standing right here (tom waits)

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segunda-feira, março 27, 2006

Eu morria de ti

Eu morria de ti
Mas tu eras o meu viver

Tu ias comigo
Tu cantavas em mim
Quando percorria as ruas
Sem nenhum destino
Tu ias comigo
Tu cantavas em mim

Tu convidavas os pardais apaixonados do meio das árvores
Para a manhã da janela
Quando a noite se embaciava
Quando a noite não se acabava
Tu convidavas os pardais apaixonados do meio das árvores
Para a manhã da janela

Tu davas as tuas mãos
Tu davas o teu carinho
Quando eu tinha fome
Tu davas a tua vida
Tu eras generoso como a luz
Tu vinhas ao nosso beco com as tuas luzes
Tu vinhas com as tuas luzes
Quando as crianças partiam
E as pétalas das acácias adormeciam
E eu ficava sozinha no espelho
Tu vinhas com as tuas luzes…
Tu colhias as pétalas
E cobrias as minhas madeixas
Quando as minhas madeixas tremiam de desejo
Tu colhias as pétalas

Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
Quando eu
Não tinha mais nada para dizer
Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
E escutavas
O meu sangue que corria
A minha paixão lacrimejante que morria

Tu ouvias-me
Mas não me vias


Forugh Farrokhzad


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sábado, março 25, 2006

hei-de um dia levar-te a ver o sol do qual
conheço todas as cores (amarelo etc) pensamos
que as coisas existem mas segunda-feira traz

linhas de voo à liberdade da imaginação. por
um instante pensei no sol como algo eterno
desconhecido mas um dia (digo) um dia algum

hei-de levar-te a ver o rio. fechamos os olhos
ao usual esquecemos a diferença mas alguém
sabe quantos quadros pintou Picasso ou Resende
ou Van Gogh? quanto pesa a torre dos Clérigos?

mas também: quantas são as cores do arco-íris?
a forma de todas as pedras? não há desculpa
para a rotina nem remédio para o ritual. hei-de
um dia levar-te a ver o sul o sol um dia

João Luís Barreto Guimarães


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sexta-feira, março 24, 2006

we are the famooooous five

A ilha Kirrin

Lia-os depois da viagem à cidade
sobre a cama, sobretudo em Junho e Julho
fechada a persiana que deixava filtrar
cheiro a damascos e pintura quente
e uma luz laminada verde escura
sobre a bicicleta e os páramos
sobre as mochilas, as quintas,
o pequeno almoço inglês, a ilha da Zé:
história fabulosa de uma infância
a ponto de se perder, porque uma vez lidas
todas as aventuras dos cinco
supus que tinha que crescer.
“De que serve ser criança, se mais tarde, em férias
nenhum barco te leva à ilha Kirrin?”
Talvez já suspeitava que os livros
podiam ser relógio ou calendário
exacto e enigmático do corpo.

Aurora Luque
(mais uma tradução caseira da lebre)

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quarta-feira, março 22, 2006

digo pele e é a cor a entrar na memória
[restos debotados pelo uso ]

não saí ainda do tempo
onde alguém ainda inventa cheiros

numa pausa para um cigarro

fecho as cortinas para não te sentir no corpo
entre as memórias que se desenham no fumo
começo a respirar

eue

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terça-feira, março 21, 2006

estão a bater à porta. de cada lado da
fechadura algo acontece (e como apetece:
um olhar). é assim uma casa: começa

quando o dia se extingue (cedo se enche
de corpos que se esvaziam do dia) como
uma fonte nunca cessa de entornar seu
nascimento. escuta: estão a bater à porta

são esses os alicerces de uma casa (a
mão da mãe? o pé do pai?) uma casa não
se ergue pelo lugar da porta mas pelo

que em cada transpõe essa ferida (essa
fácil abertura). o fim de tarde escorre
(os pátios ardem de luz) ouves agora?:
estão a bater à porta. que se defenda

João Luís Barreto Guimarães


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domingo, março 19, 2006

Roupa


Aquela saia roda
como o topo do moinho de pás,
o que em mim confirma agora
que o vento me reveste.

*

Quando depois do nascimento me vestiram,
a roupa então em mim resplandeceu.
Mas estava nua, sem cambraia
ou a memória simples dela nos sentidos.
Nua e solene, com a roupa alheia
em tomo do meu corpo. E ignorava
valor, matéria e as pompas
que entregam roupas e versos ao comércio.
Acreditava só que o gesto amado
de me cobrirem de panos ao nascer
seria a minha glória

*

O pequeno velo de roupa é
o da imaginação. Vestiram-me
para me velar, como janelas afloram
nas casas ou como a palha envolve
medas. As escassas vestes
nas montras eram também
sinais da imaginação. E a linha
nas mãos da costureira assim
imaginada era.

*

Tão devagar cosia pelo traço do giz
a máquina que os pés moveram balançando
quanto os meus olhos devagar seguiram
o traçado dos pontos e o meu espanto
de ver a ordem surgir dos riscos soltos.
O rosto atento caía sobre o pano
que pouco a pouco me tomava a forma
do meu corpo tocado pela luxúria
de tão belos cetins, veludos
inverosímeis e, como tudo o que
a memória gera, fontes de dores.

*

O tépido calor cobre-me
por fora de tules em flor.
As folhas do loureiro ridentes
assemelham-se ao meu vestido
de verde cassa. Agradeço, pois, às bocas
de parentes os nomes ditos.

*

Todas as roupas usadas
próprias do Verão são aquele
vestido único, porque me haviam dito
que ao entrar pelos olhos
ele me cobria de fulgor.

*

Com a saia de tobralco leve passei
entre as nossas hortas, águas do poço,
coisas da quinta tão diversas todas.
E amei cada um dos vários nomes,
e também as palavras especiosas
que na retrosaria designam o belo fio
e aquelas que me mostravam os tecidos
em sequências de alucinações novas.


Fiama Hasse Pais Brandão


sábado, março 18, 2006

on being my angel


é bom saber-te da minha familia

sexta-feira, março 17, 2006

(A princesa fugida de um conto que ouvi na infância)

A menina rompeu as paredes da Torre
e pairou no vale
esquecida de sombras e bolores.

Mas de repente lembrou-se.

Parecia mal
ser tão feliz assim
a ceifar com a sua foice
ervas e cores.

E então estendeu-se no jardim
a aproveitar para o remorso dos olhos
o orvalho das flores.

José Gomes Ferreira

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quinta-feira, março 16, 2006

I used to think I was making movies for the ears - writing them, directing them, releasing them. Kind of making a fiction in a non-fiction world. Taking the real world and then getting rid of certain things that I didn't want to be there and adding certain things that I hoped would have been there. I was overly maudlin and romantic and I really hadn't grown up. I still very much lived in a fantasy world. But I like that Blue Valentines song. Still play it sometimes.

Blue Valentines

She sends me blue valentines
All the way from Philadelphia
To mark the anniversary
Of someone that I used to be
And it feels like a warrant
Is out for my arrest
Baby, you got me checkin’ in my rearview mirror
That’s why I'm always on the run
It’s why I changed my name
And I didn't think you'd ever find me here

To send me blue valentines
Like half forgotten dreams
Like a pebble in my shoe
As I walk these streets
And the ghost of your memory
Baby, it’s the thistle in the kiss
It’s the burglar that can break a rose’s neck
It's the tatooed broken promise I gotta hide beneath my sleeve
I’m gonna see you every time I turn my back

Oh, you send me blue valentines
Though I try to remain at large
They're insisting that our love must have a eulogy
Why do I save all this madness
Here in the nightstand drawer
There to haunt ’pon my shoulders
Baby, I know I'd be luckier to walk around everywhere I go
With this blind and broken heart
That sleeps beneath my lapel

Instead these blue valentines
To remind me of my cardinal sin
I can never wash the guilt
Or get these bloodstains off my hands
And it takes a whole lot of whiskey
To make these nightmares go away
And I cut my bleedin’ heart out every night
And I’m gonna die just a little more
On each St. Valentine’s day(4)
Don’t you remember I promised I would write you

These blue valentines
Blue valentines
Blue valentines

Tom Waits



e com a canção que me iniciou na música do tio tom termina esta semana dedicada ao Deus
Ultimamente diria que o meu ponto forte é a capacidade de pegar numa coisa, combiná-la com outra com que não tenha nada a ver e conseguir que isso faça sentido. Digamos que procuro formas diversas de usar um guarda-chuva.

Tom Waits
Nocturnos
tradução de João Lisboa

quarta-feira, março 15, 2006

Innocent When You Dream

The bats are in the belfry
The dew is on the moor
Where are the arms that held me
And pledged her love before
And pledged her love before

And it’s such a sad old feeling
All the fields are soft and green
And it’s memories that I’m stealing
But you’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream

I made a golden promise
That we would never part
I gave my love a locket
And then I broke her heart
And then I broke her heart

And it’s such a sad old feeling
All of the fields are soft and green
And it’s memories that I’m stealing
But you’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream

We’re running through the graveyard
And we laughed my friends and I
We swore we’d be together
Until the day we died
Until the day we died

And it’s such a sad old feeling
All of the fields are soft and green
And it’s memories that I’m stealing
But you’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream

And it’s such a sad old feeling
All of the fields are soft and green
And it’s memories that I’m stealing
But you’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream, when you dream
You’re innocent when you dream


terça-feira, março 14, 2006

"Started as a title, then became just a junkyard for uh . . . one banjo and drums there"

Telephone Call From Istanbul

All night long on the broken glass
Livin’ in a medicine chest
Mediteromanian hotel back
Sprawled across a roll top desk

The monkey rode the blade on an overhead fan
They paint the donkey blue if you pay
I got a telephone call from Istanbul
My baby’s comin’ home today

Will you sell me one of those if I shave my head?
Get me out of town, is what Fireball said
Never trust a man in a blue trench coat
Never drive a car when you’re dead

Saturday’s a festival, Friday’s a gem
Dye your hair yellow and raise your hem
Follow me to Beulah’s on Dry Creek Road
I got to wear the hat that my baby done sewed, whoo!

Will you sell me one of those if I shave my head?
Get me out of town, is what Fireball said
Never trust a man in a blue trench coat
Never drive a car when you’re dead

Saturday’s a festival, Friday’s a gem
Dye your hair yellow and raise your hem
Follow me to Beulah on Dry Creek Road
I got to wear the hat that my baby done sewed

Well, take me down to buy a tux on Red Rose Bear
I got to cut a hole in the day
I got a telephone call from Istanbul
My baby’s comin’ home today

Sell me one of those if I shave my head
Get me out of town, is what Fireball said
Never trust a man in a blue trench coat
Never drive a car when you’re dead

Saturday’s a festival, Friday’s a gem
Dye your hair yellow and raise your hem
Follow me to Beulah’s on Dry Creek Road
I got to wear the hat that my baby done sewed, whoo!


Tom Waits


segunda-feira, março 13, 2006

Strange Weather


Will you take me across the channel
London Bridge is falling down
Strange, a woman tries to save
More than a man will try to drown

And it’s the rain that they predicted
And the forecast every time
The rose has died because you picked it
I believe that brandy’s mine

And all over the world
Strangers talk only about the weather
All over the world it’s the same
It’s the same
It’s the same

And the world is getting flatter
And the sky is falling all around
And nothing is the matter
For I’ll never cry in town

And a love like ours, my dear
Is best measured when it’s down
And I never buy umbrellas
For there’s always one around

And all over the world
Strangers talk only about the weather
All over the world it’s the same
It’s the same

And all over the world
Strangers talk only about the weather
All over the world it’s the same
It’s the same

And you know that it’s beginning
And you know that it’s the end
Once again we are strangers
As the fog goes rolling in

And all over the world
Strangers talk only about the weather
All over the world it’s the same
It’s the same


booklet.jpg

domingo, março 12, 2006

Alice falls down the rabbit hole; numerous objects fall past her. She sees a mirror with her name written on it. The mirror breaks and her name is lost.

WHITE RABBIT sings:

It's dreamy weather we're on
You wave your crooked wand
Along an icy pond
With a frozen moon
A murder of silhouette crows
I saw...
And the tears on my face
And the skates on the pond
Spell Alice

I'll disappear in your name
But you must wait for me
Somewhere beneath the sea
There's the wreck of a ship
Your hair is like meadow grass
On the tide
And the raindrops on my window
And the ice in my drink
Baby, all that I can think of
Is Alice

Arithmetic
Arithmetoc
I turn the hands back on the clock
How does the ocean rock the boat
How did the razor find my throat
The only strings that hold me here
Are tangled up around the pier

And so a secret kiss
Brings madness with the bliss
And I will think of this
When I'm dead in my grave
Set me adrift and
I'm lost in your hair
But I must be insane
To go skating on your name
And by tracing it twice
I fell through the ice
Of Alice
There's only Alice

Tom Waits

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obrigada

sábado, março 11, 2006

"This is a story about your neighbor And my neighbor And the neighbor you are soon to become I guess what gets me is, I know two or three things about my neighbor And that’s all I wanna know And from that I can build a story First of all, he told me he was from Tampa Well, then explain the Indiana plates to me My neighbor’s name is Cunningham And the thing I think about, with a name like Cunningham, is If you’re a ham, then you weren’t very cunning, were you? That was a very private thought And unnecessary to be sharing with Cunningham But sometimes at night, when I hear things like that I think, what the hell is he building in there?..."


What’s he building in there?
What the hell is he building in there?
He has subscriptions to those magazines
He never waves when he goes by
He’s hiding something from the rest of us
He’s all to himself, I think I know why
He took down the tire-swing from the pepper tree
He has no children of his own, you see
He has no dog, he has no friends
And his lawn is dying
And what about those packages he sends?
What’s he building in there?
With that hook light on the stairs
What’s he building in there?
I’ll tell you one thing, he’s not building a playhouse for the children
What’s he building in there?
Now what’s that sound from underneath the door?
He’s pounding nails into a hardwood floor
And I swear to God I heard someone moaning low
And I keep seeing the blue light of a TV show
He has a router and a table saw
And you won’t believe what Mr. Sticha saw
There’s poison underneath the sink of course
There’s also enough formaldehyde to choke a horse
What’s he building in there?
What the hell is he building in there?
I heard he has an ex-wife in some place called Mayors Income, Tennessee
And he used to have a consulting business in Indonesia
But what’s he building in there?
He has no friends but he gets a lot of mail
I bet he spent a little time in jail
I heard he was up on the roof last night, signaling with a flashlight
And what’s that tune he’s always whistling?
What’s he building in there?
What’s he building in there?

We have a right to know

Tom Waits



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sexta-feira, março 10, 2006

A minha memória não é uma fonte de sofrimento. Certas partes são como uma loja de penhores, outras como um aquário, outras como uma despensa. Julgo que há um sítio onde a memória se distorce como as imagens nos espelhos de feira e é essa a área que mais me interessa.

Tom Waits
Nocturnos
tradução de João Lisboa

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quinta-feira, março 09, 2006

bem-vindos à II semana do tio tom

"I want to thank you all for being here tonight"



"it'd be mighty strange here tonight if nobody showed up."

quarta-feira, março 08, 2006

Atenção

e se uma lebre vos perguntasse qual era a vossa canção preferida do tio Tom, qual seria a vossa resposta?

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Sótão



Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.


Fiama Hasse Pais Brandão


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terça-feira, março 07, 2006

a jukebox da lebre (canção perfeita versão 1.4)

Sandy Dillon - Powder lady

segunda-feira, março 06, 2006

mais uma traduçao caseira da minha Sexton


Estou no ringue
na cidade morta
e aperto os sapatos vermelhos.
Tudo o que estava calmo
é meu, o relógio com uma formiga a andar
os dedos dos pés alinhados como cães,
o fogão muito antes de ferver sapos,
a sala branca no inverno, muito antes das moscas,
a corça deitada no musgo muito antes da bala.
Eu aperto os sapatos vermelhos

Não são meus.
São da minha mãe.
E da mãe dela antes.
Entregues como relíquia familiar
mas escondidos como cartas vergonhosas.
A casa e a rua onde eles pertencem
estão escondidas e todas as mulheres, também,
estão escondidas

Todas as raparigas
que usaram sapatos vermelhos
cada uma embarcou um comboio que não pararia.
Estações voaram como pretendentes e não parariam.
Todas dançavam como truta num anzol.
Brincaram com elas.
Rasgaram as orelhas como alfinetes de segurança.
Os seus braços caíram e transformaram-se em chapéus.
As suas cabeças rolaram e cantaram pelas ruas.
E os seus pés - ó Deus, os seus pés no mercado -
os seus pés, aqueles dois escaravelhos, correram para a esquina.
Com certeza, exclamaram as pessoas,
com certeza que são mecânicos. Senão…

Mas os pés continuaram.
Os pés não conseguiam parar.
Estavam enroscados como uma cobra que vos vê.
Eram elásticos a puxar-se em dois.
Eram ilhas durante um terramoto.
Eram barcos a chocar e a afundar-se.
Eu e tu não importávamos.
Eles não podiam ouvir.
Eles não conseguiam parar.
O que eles fizeram era a dança da morte.

O que eles fizeram torná-los-ia.


Anne Sexton

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domingo, março 05, 2006

Ah, não mais ter a consciência de ser, como uma pedra, como uma planta! Não recordar sequer o nome! Estendidos na erva, com as mãos cruzadas na nuca, olhar no céu azul as nuvens brancas que pairam, deslumbrantes, inchadas de sol; ouvir o vento que soa lá em cima, entre os castanheiros, do bosque com um fragor de mar.

Nuvens e vento.

O que disse? Ai de mim, ai de mim. Nuvens? Vento? E não lhe parece que é tudo, olhar e reconhecer que aquilo que paira no azul interminável e vazio são nuvens? A nuvem sabe porventura que existe? Nem a árvore nem a pedra, que se ignoram até a si mesmas, sabem que a nuvem existe; e estão sós."

Luigi Pirandello

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sexta-feira, março 03, 2006

a mulher que sonha esquece-se do riso
cresce como as chuvas:
de mãos estendidas para as lágrimas

ganha o gosto amargo da memória
palavras que se aprendem na primeira
cor depois da noite

faz da realidade o salto para a insónia
sabe que a memória são arvores com a raiz exposta ao vento
e de novo leva nos braços o silêncio


eue


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quinta-feira, março 02, 2006

Para recuperar a beleza basta um olhar, mesmo que ferido.

Mário Rui de Oliveira

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quarta-feira, março 01, 2006

O silêncio
abre
o coração das sombras.
Por tal sossego, as árvores
caminham. Mas são as mulheres quem lhes assegura
a elegância do porte.

A harmonia vem do peso da luz
sob a cabeça. Das mãos em arco: os ramos seguram.
Altas são as folhas. Simples.
Lisa a copa.

Não há rumor na terra.
As feras não nasceram ainda. Apenas os peixes.
Fora de água
respiram.

Sim.
O mundo pode ser belo,
apesar de só.

Basta-lhe o fulgor no mais escalvado da noite
e meninos esbeltos e
gelados no sol.
E uma beleza dificílima. E um cauteloso
azul nas garças abatidas pelo céu.
E um primeiro espanto,
uma primeira alegria nas fendas
em direcção
ao pó.


Eduarda Chiote



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