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segunda-feira, outubro 24, 2005

faz agora um ano que um poema iniciou uma amizade (tão, mas tão linda)

UM OUTRO NASCIMENTO

Todo o meu ser é um cântico negro
que te levará
fazendo-te durar
ao despertar dos crescimentos e florescimentos eternos
neste cântico eu suspirei tu suspiraste
neste cântico
eu acrescentei-te à árvore à água ao fogo.

A vida é talvez
uma rua comprida pela qual uma mulher segurando
um cesto passa todos os dias.

A vida é talvez
uma corda com a qual um homem se enforca num ramo
a vida é talvez uma criança a regressar a casa da escola.

A vida é talvez acender um cigarro
na pausa narcótica entre fazer amor e fazer amor
ou o olhar ausente de um homem que passa
tirando o chapéu a um outro homem que passa
com um sorriso vazio e um bom dia.

A vida é talvez esse momento fechado
quando o meu olhar se destrói na pupila dos teus olhos
e está no sentimento
que eu irei pôr na impressão da Lua
e na percepção da Noite.

Num quarto grande como a solidão
o meu coração
que é grande como o amor
olha os simples pretextos da sua felicidade
o belo murchar das flores no vaso
a jovem árvore que plantaste no teu jardim
e o canto dos canários
que cantam para o tamanho de uma janela.

Ah
este é o meu destino
este é o meu destino
o meu destino é
um céu que desaparece com a queda de uma cortina
o meu destino é despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis
reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia
o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias
e morrer na dor de uma voz que me diz
eu amo
as tuas mãos.

Irei plantar as minhas mãos no jardim
crescerei eu sei eu sei eu sei
e as andorinhas virão pôr ovos
no vazio das minhas mãos manchadas de tinta.

Vou usar
um par de cerejas gémeas como brincos
e pôr pétalas de dália nas minhas unhas
há um beco
onde os rapazes que se apaixonaram por mim
se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado
os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras
e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga
que foi levada pelo vento uma noite.

Há um beco
que o meu coração roubou
às ruas da minha infância.

A viagem de uma forma na linha do tempo
fecundando a linha do tempo com a forma
uma forma consciente de uma imagem
a regressar de uma carícia num espelho.

E é desta maneira
que alguém morre
e alguém segue vivendo.

Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato
que se esvazia num lago.

Eu conheço uma pequena e triste fada
que vive num oceano
e toca a flauta mágica do seu coração
suave, suavemente
pequena e triste fada
que morre com um beijo todas as noites
e com um beijo renasce a cada amanhecer.

Forough Farrokhzad


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